Supertempestade solar: o que acontece se o Sol 'desligar' a tecnologia na Terra? ESA testa resposta de missão
16/10/2025
(Foto: Reprodução) Agência espacial europeia simula tempestade solar que poderia apagar satélites
Imagine um apagão global no espaço e na Terra: satélites sem controle, GPS fora do ar, eletrônicos falhando e redes elétricas entrando em colapso.
Foi esse o cenário extremo simulado por engenheiros da Agência Espacial Europeia (ESA) na Alemanha, em um exercício inédito que colocou à prova a capacidade humana de reagir a uma tempestade solar de grandes proporções.
A experiência, realizada no Centro Europeu de Operações Espaciais (ESOC), em Darmstadt, reuniu dezenas de engenheiros e especialistas em clima espacial para enfrentar, de forma simulada, o pior pesadelo possível para a infraestrutura tecnológica moderna: uma supertempestade solar como a que atingiu a Terra em 1859, conhecida como Evento Carrington, a mais intensa já registrada.
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Na época, o planeta ainda vivia a era do telégrafo. Mesmo assim, a tempestade foi capaz de causar incêndios nas linhas de transmissão e iluminar o céu noturno em cores avermelhadas até regiões tropicais. Países como Cuba tiveram até registros de auroras.
Hoje, com o mundo totalmente dependente de satélites, internet e sistemas elétricos, um evento semelhante teria impactos catastróficos, e é exatamente esse tipo de cenário que a ESA quer evitar.
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Explosão solar registrada pela sonda Solar Orbiter, da ESA, em 30 de setembro de 2024. O evento durou cerca de 15 minutos e liberou uma radiação intensa, com potencial de interferir em comunicações na Terra.
ESA NASA/Solar Orbiter/EUI Team
Uma erupção que veio com tudo
O exercício fez parte da preparação para o lançamento do Sentinel-1D, novo satélite europeu de observação da Terra, previsto para decolar em 4 de novembro.
O teste começou de forma normal, simulando o lançamento e as primeiras operações do satélite, com todos os sistemas funcionando e as comunicações estáveis.
Poucos minutos depois, contudo, os dados começaram a apresentar falhas e o sinal do satélite ficou instável, como se tivesse sido atingido por uma forte erupção solar.
☀️ ENTENDA: uma erupção solar é uma explosão de energia na superfície do Sol causada pelo rompimento de campos magnéticos. Em poucos minutos, ela aquece o plasma a milhões de graus e libera radiação que pode interferir em satélites, GPS e comunicações na Terra.
Segundo a ESA, o objetivo dessa fase era comparar a resposta da equipe a esse cenário extremo, em que uma erupção solar simulada de intensidade semelhante às maiores já registradas atingiria virtualmente o satélite, gerando falhas nos sistemas de comunicação, radares e navegação, exatamente como ocorreria durante uma tempestade solar real.
Por isso, a partir desse ponto, o cenário ficou mais complexo. À medida que o cenário avançava, os sistemas começaram a responder de forma errática, simulando os efeitos de uma tempestade de classe X45, o tipo mais poderoso da escala usada para medir a intensidade dessas explosões.
Em um evento real, uma erupção desse porte poderia provocar apagões generalizados em comunicações e redes elétricas.
Segundo os cientistas, a radiação de um evento assim alcançaria a Terra em cerca de oito minutos, o que praticamente não deixa tempo para reação.
Simulação de tempestade solar no centro de controle da ESA, na Alemanha, testou como equipes reagiriam a uma erupção extrema capaz de afetar satélites, comunicações e sistemas de navegação.
ESA
Assim, essa fase da simulação reproduziu os efeitos de uma ejeção de massa coronal, uma nuvem gigantesca de partículas carregadas lançada pelo Sol.
Quando uma dessas nuvens atinge o campo magnético da Terra, ela pode causar tempestades geomagnéticas: distorções capazes de interferir no funcionamento de satélites, em redes de energia e até gerar auroras visíveis em latitudes incomuns, como já ocorreu no século 19.
“Caso uma tempestade dessas aconteça, o arrasto dos satélites pode aumentar 400%, com picos locais na densidade atmosférica. Isso eleva o risco de colisões e reduz a vida útil das missões por causa do maior consumo de combustível”, afirmou Jorge Amaya, coordenador de modelagem de clima espacial da ESA.
Durante o exercício, as equipes também simularam falhas nos instrumentos de orientação, perda de sinal e erros nos sensores que ajudam os satélites a se manterem na rota correta.
A ideia era testar como as equipes reagiriam a falhas simultâneas, algo que poderia ocorrer em um cenário real de tempestade solar.
“Se um problema assim acontecer de verdade, não há boas soluções. O objetivo seria apenas manter o satélite seguro e limitar os danos tanto quanto possível”, explicou Thomas Ormston, gerente adjunto de operações do Sentinel-1D.
O treinamento também contou com a participação do Escritório de Clima Espacial da ESA, criado em 2022, e do Escritório de Detritos Espaciais, que monitora o risco de colisões em órbita.
Ambos ajudaram a coordenar as respostas e a avaliar os possíveis impactos em outras missões.
“A principal conclusão é que não é uma questão de ‘se’ isso acontecerá, mas de ‘quando’”, reforçou Gustavo Baldo Carvalho, oficial líder de simulação do Sentinel-1D. “A escala e a variedade dos impactos nos levaram ao limite, mas a equipe dominou o desafio.”
Modelo de um satélite Sentinel-1, usado em treinamentos e testes da ESA.
ESA/Mlabspace
Risco solar vem aumentando
Essa simulação da ESA faz parte de uma série de exercícios internacionais que vêm sendo realizados para preparar governos e agências espaciais diante do aumento da atividade solar.
Como o Sol passa por ciclos de cerca de 11 anos, o atual, chamado Ciclo 25, está no auge.
Segundo a Nasa, a agência espacial norte-americana, os últimos meses registraram um número de erupções acima do esperado.
Entre 2024 e 2025, mais de dez tempestades solares classificadas como fortes atingiram a Terra: a maior quantidade desde 2003.
Elas provocaram auroras em locais pouco comuns, como França, Alemanha e o norte dos Estados Unidos.
Em alguns momentos, houve falhas temporárias em sinais de GPS e comunicações de rádio, que chegaram até afetar rotas aéreas e marítimas.
Para reduzir riscos, diferentes países vêm reforçando esse monitoramento e a troca de informações. A ESA, por exemplo, antém o programa Space Weather Readiness, responsável por simulações como a realizada na Alemanha.
A NASA, por sua vez, desenvolve o plano Solar Storm 2030, que reúne cientistas e o setor elétrico dos EUA para definir medidas de proteção de satélites e redes de energia.
Agências dos Estados Unidos, Europa, Japão e Canadá também realizam treinamentos conjuntos de resposta rápida, usando dados de satélites como o Solar Orbiter e o SOHO, que observam o Sol em tempo real.
Esses testes ajudam a definir protocolos de alerta e a melhorar a comunicação entre centros de previsão.
De acordo com especialistas, a meta é simples: não ser pego de surpresa.
As tempestades solares fazem parte do comportamento natural do Sol e, embora a maioria cause apenas pequenas interferências, os órgãos de monitoramento querem garantir que o mundo esteja pronto caso uma erupção mais forte volte a ocorrer.
Erupção solar extrema registrada em 2003 pelo observatório SOHO: a explosão, 28 vezes mais poderosa que uma típica flare de classe X, lançou bilhões de toneladas de plasma a mais de 8 milhões de km/h no espaço.
ESA/NASA
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