Seis meses após início da desocupação, três em cada quatro famílias já deixaram Favela do Moinho, no Centro de SP
22/10/2025
(Foto: Reprodução) Seis meses após início da desocupação, três em cada quatro famílias já deixaram a Favela do Moinho, no centro de SP
O vaivém de pessoas diminuiu, e as ruas da Favela do Moinho, no Centro de São Paulo, deram lugar a tratores, entulho e silêncio nesta terça-feira (21). O cenário lembra uma cidade-fantasma: barracos de madeira caídos, paredes de alvenaria vazias e poucos moradores circulando em meio à poeira.
A desocupação da comunidade, a última do Centro da capital paulista, começou em abril deste ano. Segundo o governo do estado, viviam ali 880 famílias. Seis meses depois, três em cada quatro já deixaram o local. O número representa 75% das famílias.
Na semana passada, uma decisão da Justiça Federal suspendeu as demolições e determinou que o governo estadual limpe o entulho acumulado. Até então, 146 construções já haviam sido derrubadas.
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Nesta terça, o secretário estadual da Habitação de São Paulo, Marcelo Branco, comentou a decisão para concluir a retirada do entulho deixado pelas demolições. Segundo ele, a pausa não altera o andamento da operação e que, com o novo acordo, a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) poderá utilizar máquinas e caminhões maiores para acelerar os trabalhos.
“O que definimos foi um cronograma com a Justiça de que nós faremos toda a limpeza do que foi removido ali dentro. Exatamente posteriormente a essa limpeza, nós continuaremos com as demolições”, disse.
Moradores da Favela do Moinho antes de evento com Lula para assinatura de atos relativos à solução habitacional do local
João de Mari/g1
O secretário acrescentou que a Defensoria Pública havia questionado o uso de equipamentos pesados, mas que o entendimento judicial “melhorou o cronograma” e permitirá dar prosseguimento à retirada dos escombros “sempre cuidando das famílias, que já estão 80% removidas”.
Quem permanece no local, porém, enfrenta uma rotina difícil. Máquinas trabalham o dia todo recolhendo restos de casas, o que causa barulho, poeira e constantes rompimentos de encanamentos.
“Semana passada, a máquina subiu em cima da minha calçada e quebrou tudo. Isso é pressão para a gente sair logo. Barulho, sujeira, escorpião, rato, barata… tudo o que você imaginar tem aqui”, afirmou a atendente Daniele Denise, moradora da comunidade há 20 anos. “A gente sabe que vai sair, mas quer sair com dignidade.”
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Entre os que já deixaram a comunidade está Marinaldo Pereira da Silva, que trabalha como porteiro. Ele se despediu nesta terça da casa onde viveu por duas décadas e partiu para Itaquera, na Zona Leste.
“Não acho ruim morar aqui, mas o pessoal tem que sair, vai fazer o quê? Já assinei tudo, o apartamento é bonzinho", disse.
Atraso no acordo
A mudança de Marinaldo e dos outros moradores da favela faz parte do programa Minha Casa Minha Vida, que assumiu o financiamento da realocação dos moradores. Cada família cadastrada pela Secretaria Estadual de Desenvolvimento Urbano e Habitação, do governo do estado, deve receber um imóvel quitado de até R$ 250 mil, pago com recursos dos governos federal e estadual.
Os detalhes do acordo foram detalhados diretamente pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em junho deste ano, durante uma visita à comunidade.
O governo paulista tenta obter a posse do terreno, que pertence à União, para remover a favela, que considera um obstáculo no combate ao crime organizado e na revitalização da região central. A gestão pretende construir um parque e transferir sua sede para o Centro.
O presidente Lula em evento na Favela do Moinho, no Centro de SP
João De Mari/g1
Nem todos, porém, conseguiram seguir o mesmo caminho. Leidivania Domingas Serra Teixeira, que está desempregada, afirmou ter ido até a Caixa Econômica Federal, mas foi informada de que não havia imóveis disponíveis.
“Prometeram que a gente ia direto para o apartamento pronto, mas disseram que não iam poder oferecer nada”, disse. Com dois filhos pequenos, ela relata medo de ficar sozinha em meio ao esvaziamento da comunidade.
Comércios afetados
As demolições e saídas afetaram também quem vivia do comércio local. Cinthia Bonfim Silva, que vendia frios e pães há quase 20 anos, tenta lidar com a queda no movimento.
“Caiu muito, mas enquanto há pessoas eu permaneço. Só que meu psicológico não está bem. Vou precisar de um tempo para esfriar a cabeça”, afirma. Ela planeja deixar São Paulo.
Nem mesmo os espaços religiosos resistiram. A Capela Nossa Senhora Aparecida do Moinho e a igreja evangélica em que o pastor Antônio Rocha realizava cultos semanais também estão sendo desocupadas.
“O último culto realizado na sexta-feira foi de despedida, com muito choro, mas também com alegria. Uns já mudaram, outros vieram se despedir. Foi emocionante”, contou o pastor.
Sobre os casos da Daniele e da Leidivania, a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) afirmou que já emitiu a carta de crédito delas e que aguarda que elas escolham o imóvel dentro das regras do programa.
Já o Ministério das Cidades, do governo federal, disse que 552 famílias já foram enquadradas na compra assistida do programa Minha Casa Minha Vida e que 40 ainda estão com pendências no cadastro.